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A fé na ressurreição e o cotidiano cristão
Paulo Roberto Garcia*
Há temas fundamentais para o discurso cristão que, por vezes, na história, desaparecem momentaneamente. Há tempos não se escutam sermões e estudos enfocando temas como conversão, mudança de vida, e, interessantemente, isso reflete na diminuição de pregações sobre a ressurreição. Ou seja, falar da fé na ressurreição tem impacto direto em como vivemos nossa vida no cotidiano.
Em meio a essa discussão, devemos registrar que o terceiro dos “Os Vinte e Cinco Artigos de Religião do Metodismo Histórico” afirma:
(3) Da ressurreição de Cristo
Cristo, na verdade, ressuscitou dentre os mortos, tomando outra vez o seu corpo com todas as coisas necessárias a uma perfeita natureza humana, com as quais subiu ao Céu e lá está até que volte a julgar os homens, no último dia.
Ou seja, não só o tema da ressurreição é um tema fundamental para nossa vida de fé como é parte de nossa herança teológica. A pergunta que nos dirige nessa pequena reflexão é: quais são os desafios que a fé na ressurreição coloca para o nosso cotidiano?
3.A Fé na ressurreição e os primeiros cristãos
Não podemos nos esquecer que a fé na ressurreição se constituiu no primeiro núcleo da pregação dos primeiros cristãos. O impacto da ressurreição de Cristo motivou as primeiras pregações. Encontramos, por exemplo, nos sermões registrados em Atos, uma ênfase constante em afirmar que Cristo, que estava morto, ressuscitou. Paulo, também, enfatiza esse tema e em Coríntios 15 ele debate a inutilidade da fé se Cristo não houvesse ressuscitado. No mundo greco-romano pregar a ressurreição era loucura. Se o corpo era, para eles, o cárcere do espírito, ressuscitar era voltar para a cadeia.
Nesse ponto, o artigo de religião “Da ressurreição de Cristo” está afinado com a pregação primitiva. É fundamental para uma fé que não nos torne os mais infelizes dos seres humanos (1Co 15.19) partir da firme convicção de que Cristo ressuscitou dentre os mortos.
2. A fé na ressurreição e o cotidiano cristão
Porém, uma simples afirmação de crença na ressurreição não é suficiente. Isso tem de ter impacto em nossas vidas e na forma em que vivemos o cotidiano. Na discussão que Paulo estabelece com a igreja em Corinto (1Co 15) ele afirma “se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã morreremos” (1Co 15.32b). A vida sem a fé na ressurreição é uma vida autocentrada, baseada somente no hoje e nos interesses pessoais. Por outro lado, Paulo afirma que se cremos na ressurreição nos expomos a perigos e morremos todos os dias (1Co 15.30-31).
Essa discussão de Paulo com a igreja de Corinto aponta o centro do problema. Professar a fé na ressurreição de Cristo nos abre uma nova forma de nos posicionarmos diante da vida. Diante disso, temos duas formas de viver nossa vida. A primeira se caracteriza pela convicção de que nossa vida se esgota apenas nesse mundo, e que somos desafiados a vivê-la aproveitando-a e desfrutando tudo que é possível, já que em pouco tempo ela se acaba. Uma vida egoísta é o resultado desse tipo de fé. A segunda se caracteriza pela convicção de que podemos ser participantes da ressurreição de Cristo: somos desafiados a viver o nosso cotidiano como uma expressão de nosso compromisso com Cristo e com a vida futura. Uma vida de serviço é o resultado desse tipo de fé.
3. O cotidiano da fé e a fé do cotidiano
Retomando a ausência de temas tão caros ao protestantismo (conversão, mudança de vida, etc.) percebemos que o cotidiano da fé em nossos dias está mais focado na vida presente do que na esperança futura. Com isso, focam-se mais as necessidades dos seres humanos do que o seu compromisso com a fé. Por isso, em um trocadilho podemos dizer que o cotidiano da fé hoje não nos desafia a uma fé que nos motive a um compromisso cotidiano com Cristo.
Ao afirmar nossa fé na ressurreição do corpo, somos desafiados a uma mudança de vida que valorize o desenvolvimento de um corpo ético, ou seja, um corpo que se relaciona eticamente com o próximo, com a sociedade e com a natureza na construção de sinais que apontem para a salvação e a redenção divina. Por isso, essa mudança não se esgota somente nas participações cúlticas e nas atividades da igreja (as quais são muito importantes), mas alcançam também dimensões relacionais.
Se a nossa vida não se esgota nesse mundo, devemos, nas palavras de Cristo, acumular “tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões escavam e roubam” (Mt 6.20).
A pergunta final é a preocupação primeira: se anunciamos a ressurreição do Senhor, se cremos em nossa ressurreição futura, como isso muda a minha vida? Como isso determina meu modo de ser e agir em nosso mundo? Como isso determina os meus valores e os meus projetos? Como isso transforma a minha existência? Podemos como Paulo, afirmar que por causa dessa fé “morremos todos os dias”?
*Pastor na Igreja Metodista em Campos do Jordão, Professor de Novo Testamento na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista. Doutor em Ciências da Religião.